



Você já presenciou a repreensão de alguém por não falar conforme a
norma-padrão? Expressões como “para mim fazer”, “mais melhor” ou
“nós vai” são frequentemente apontadas como erros e imediatamente
corrigidas, como se representassem uma ameaça à língua portuguesa. Mas
será que essas formas são realmente os grandes vilões do nosso idioma?
A resposta é não. A língua portuguesa, assim como qualquer língua
natural, é diversa, dinâmica e marcada por variações. Existe um campo de
estudo da Linguística chamado Sociolinguística, que se dedica a
compreender como fatores sociais influenciam o modo como as pessoas
falam. Entre esses fatores estão a classe social, a escolaridade, a região, a
idade, o gênero e o contexto comunicativo, que pode variar entre formal e
informal.
Essas diferentes formas de falar recebem o nome de variação
linguística. Elas não surgem de maneira aleatória, nem indicam falta de
inteligência ou desconhecimento da língua. Pelo contrário, seguem
padrões próprios e cumprem plenamente a função comunicativa: são
compreendidas pelos interlocutores e funcionam dentro do grupo social em
que circulam. Isso evidencia que tais construções são legítimas do ponto
de vista linguístico.
O erro gramatical, por sua vez, ocorre quando uma regra é
desrespeitada em um mesmo registro linguístico. Ou seja, considera-se
erro quando o falante ou escritor não segue as normas exigidas para um
determinado contexto específico, especialmente no uso da norma-padrão
em situações formais de escrita, como textos acadêmicos, documentos
oficiais ou avaliações que medem o domínio da língua formal. Nesse
sentido, o erro não está na forma em si, mas na inadequação ao contexto.
O problema surge quando a norma-padrão é tratada como a única
forma válida da língua. Essa visão ignora a diversidade linguística e
transforma diferenças em defeitos. É nesse ponto que se manifesta o
preconceito linguístico. Segundo o linguista Marcos Bagno, o preconceito
linguístico é, na verdade, um preconceito social disfarçado: ao criticar a
forma de falar de alguém, critica-se também sua origem, sua escolaridade
e sua posição social.
Corrigir a fala do outro descontextualizada, ridicularizar expressões
populares ou associar determinadas variedades linguísticas à ignorância
são práticas que reforçam desigualdades e silenciam vozes. A língua passa
a ser usada como instrumento de exclusão, e não como meio de
comunicação e pertencimento.
Diferenciar erro gramatical de variação linguística é fundamental
para promover uma visão mais justa e científica da língua portuguesa. Isso
não significa abandonar o ensino da norma-padrão, mas compreendê-la
como uma variedade entre muitas outras, adequada a determinados
contextos. O papel da educação linguística não deve ser o de apagar a
forma de falar dos alunos, mas o de ampliar seus repertórios, permitindo
que transitem conscientemente entre diferentes registros.
Desmistificar a ideia de um “português correto” único é reconhecer
que a língua reflete a diversidade do povo que a utiliza. Valorizar essa
diversidade é um passo essencial para combater o preconceito linguístico e
construir uma sociedade mais inclusiva e respeitosa.


Referências:
BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São
Paulo: Loyola, 1999.
FARACO, Carlos Alberto. Norma culta brasileira e preconceito
linguístico. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
SILVA, L. C. Variação linguística e ensino de língua portuguesa no
contexto escolar. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em
Letras) Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2021.
SANTOS, M. A. A variação linguística na sala de aula: reflexões a partir
da prática docente. In: Anais do Seminário de Estudos Linguísticos.
Universidade Estadual de Goiás, Goiânia, 2019.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. O professor de língua materna e a
diversidade linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
Por : Edna Antunes
Publicação e reprodução : Top News Goiás






