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Invasão da Ucrânia: o que Putin quer com a ofensiva russa?

avião derrubado foto 01
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Os eventos de hoje estão ligados não ao desejo de violar os interesses da Ucrânia e do povo ucraniano. Eles estão ligados aos interesses da própria Rússia em relação àqueles que fizeram a Ucrânia refém e tentam usá-la contra nosso país e seu povo. Repito, nossas ações correspondem à autodefesa de ameaças que criam para nós e de um desastre maior do que estamos vendo atualmente.”

Essa declaração faz parte do discurso feito pelo presidente russo, Vladimir Putin, anunciando a invasão da Ucrânia nesta quinta-feira (24/02).

Mas o que, afinal, Putin pretende com a ofensiva militar em larga escala? As razões por completo não são tão claras, mas há cinco pontos por trás da invasão que vêm sendo levantados pela Rússia, pela Ucrânia e seus aliados, e por especialistas em defesa e política internacional.

São eles: 1. a expansão da Otan (aliança militar liderada pelos Estados Unidos) em países vizinhos à Rússia no Leste Europeu, 2. o conflito entre o governo da Ucrânia e regiões separatistas ucranianas pró-Rússia; 3. a queda do presidente ucraniano pró-Rússia em 2014; 4. os profundos laços históricos entre Rússia e Ucrânia, ambos ex-integrantes da União Soviética; 5. o legado que Putin quer deixar como líder na história da Rússia.

Putin acusa frequentemente a Ucrânia de ser tomada por extremistas (chamados por ele de nazistas em algumas ocasiões), desde que o então presidente ucraniano Viktor Yanukovych, pró-Rússia, foi deposto em 2014, após meses de protestos contra seu governo.

A Rússia então retaliou anexando a Crimeia e desencadeando uma rebelião no leste ucraniano liderada por separatistas apoiados pelo Kremlin — o confronto contra as forças ucranianas já custou 14 mil vidas.

Além disso, no ano passado, Putin escreveu um longo texto descrevendo russos e ucranianos como “uma nação”, e descreveu o colapso da União Soviética em 1991 como a “desintegração da Rússia histórica”.

Para ele, a Ucrânia moderna foi inteiramente criada pela Rússia comunista e agora é um Estado fantoche, controlado principalmente pelos Estados Unidos, que representa um risco à segurança de seu país.

mapa ucrania em guerra
mapa ucrania em guerra

“A Rússia não pode se sentir em segurança, se desenvolver e existir com uma ameaça constante que vem do território da Ucrânia moderna”, disse o presidente russo nesta quinta.

“Tudo isso deixa claro que o ataque de Putin não é principalmente sobre Otan ou segurança. É tudo sobre sua noção xenófoba, imperialista e distorcida de que a Ucrânia era inerentemente um apêndice da Rússia, sua independência foi um acaso histórico e seus governantes uns usurpadores. Seu reconhecimento de Estados separatistas na Ucrânia se estendeu não apenas a enclaves controlados por forças pró-russas, mas também a províncias inteiras”, escreveu o jornal americano The New York Times em editorial após a invasão.

Avanço da Otan no Leste Europeu
O principal ponto levantado por autoridades e especialistas em torno da invasão da Ucrânia é o avanço da Otan, aliança militar formada em 1949 por 12 países, incluindo EUA, Canadá, Reino Unido e França.

Os membros concordam em ajudar uns aos outros no caso de um ataque armado contra qualquer Estado-membro. Seu objetivo era originalmente combater a ameaça da expansão russa durante o pós-guerra na Europa.

Após o colapso da União Soviética em 1991, 14 países do antigo Pacto de Varsóvia se tornaram membros da Otan. A aliança agora conta com 30 membros.

A Ucrânia não é um membro da Otan, e embora pleiteie entrada no grupo, não há qualquer previsão de que isso ocorra num futuro próximo. Atualmente, é um “país parceiro” — isso significa que há um entendimento de que pode ser autorizado a ingressar na aliança em algum momento no futuro.

Putin afirma que as potências ocidentais estão usando a aliança para cercar a Rússia e quer que a Otan cesse suas atividades militares na Europa Oriental. Ele argumenta há muito tempo que os EUA não cumpriram com uma garantia feita em 1990 de que a Otan não se expandiria para o leste.

A movimentação de tropas russas na fronteira foi vista como uma tentativa de forçar a Otan a negar a entrada da Ucrânia na aliança militar.

“Para nós, é absolutamente obrigatório garantir que a Ucrânia nunca, jamais se torne um membro da Otan”, disse o vice-ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Ryabkov.

região da ucrania

Mas a Otan negou peremptoriamente um veto a sua política de portas abertas a qualquer membro que queira aderir à organização.

“Para os EUA e seus aliados, é a chamada política de detenção da Rússia, e de óbvios dividendos políticos. E para nosso país, é uma questão de vida ou morte, é uma questão do nosso futuro histórico como povo. E não é um exagero. É assim mesmo. É uma ameaça real não só aos nossos interesses, mas à própria existência do nosso Estado e à soberania dele. É justamente a linha vermelha tantas vezes citada por mim. Eles a ultrapassaram”, disse Putin, em seu discurso televisionado nesta quinta-feira.

Segundo a Sputnik, agência estatal de notícias da Rússia, “para Moscou, a consideração de uma adesão da Ucrânia à aliança ocidental ultrapassa todos os limites aceitáveis, ameaçando gravemente a segurança russa”. E completa: “Apesar dos diversos apelos diplomáticos feitos pelo Kremlin na tentativa de que os Estados Unidos e seus aliados europeus levassem em conta as preocupações russas ligadas a esse avanço da organização militar liderada por Washington, não foram registrados progressos nas negociações”.

Outras demandas russas são: limitações às tropas e armas que podem ser implantadas nos países que aderiram a essa aliança após a queda da União Soviética (URSS) e a retirada da infraestrutura militar instalada nos Estados do Leste Europeu após 1997.

“Eles realmente querem retornar às fronteiras existentes na Europa Oriental durante a Guerra Fria”, disse à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) George Friedman, fundador da empresa internacional de previsão e análise Geopolitical Futures, resumindo as demandas de Moscou.

Queda de presidente pró-Rússia e conflito Ucrânia x separatistas
“Estamos vendo que as forças, que em 2014 realizaram o golpe de Estado na Ucrânia, tomaram o poder e o seguram com, de fato, procedimentos de eleições decorativas, finalmente se recusaram da solução pacífica do conflito. Oito anos, oito anos infinitamente longos em que temos feito todo o possível para que a situação fosse resolvida por meios pacíficos e políticos. Tudo em vão”, disse Putin ao anunciar a invasão da Ucrânia.

Segundo ele, a ofensiva militar contra o país vizinho visa “defender as pessoas que durante oito anos têm sido submetidas a intimidação e genocídio pelo regime de Kiev. E para isso, vamos tentar alcançar a desmilitarização e desnazificação da Ucrânia. E levar à Justiça aqueles que realizaram múltiplos crimes sangrentos contra civis, incluindo cidadãos da Federação Russa”.

O líder russo se refere às mudanças políticas na Ucrânia em 2014, quando o então presidente Viktor Yanukovych, bastante próximo da Rússia, caiu do cargo em meio a enormes protestos no país.

O movimento teve origem justamente na recusa do então mandatário em assinar um tratado com a União Europeia.

Parte majoritária dos ucranianos defendia a integração com o bloco europeu; mas outra parte, porém, fala russo e prefere estar sob a esfera de influência de Moscou. Muitos deles estava na Crimeia e na região de Donbas.

A crise levou à invasão da região da Crimeia em 2014 pela Rússia, que anexou o território, alegando laços históricos. Além disso, rebeldes apoiados por Moscou declararam a independência das províncias de Donetsk e Luhansk, no leste da Ucrânia, conhecidas conjuntamente como a região de Donbas, o que não foi reconhecido pela comunidade internacional desde então. Mas a Rússia, pouco antes da invasão em 2022, reconheceu ambas como independentes.

“Os principais países da Otan, para alcançar seus objetivos, apoiam em tudo na Ucrânia os nacionalistas radicais e neonazistas, que, por sua vez, nunca vão perdoar os moradores da Crimeia e de Sebastopol por terem decidido ser livres para se reunificar com a Rússia. Eles com certeza vão para a Crimeia, e assim como em Donbas, com guerra, para matar, como mataram pessoas indefesas os justiceiros de gangues de nacionalistas ucranianos, cúmplices de Hitler durante a Grande Guerra pela Pátria”, disse Putin nesta quinta.

Em seu discurso de posse, o atual presidente ucraniano, Volodymyr Zelenski, afirmou que sua prioridade seria colocar um fim à insurgência apoiada pela Rússia nas províncias de Donetsk e Luhansk. O confronto na região deixou mais de 14 mil mortos nos últimos anos.

Laços históricos entre Rússia e Ucrânia
Em 12 de julho de 2021, em um longo artigo sobre as relações com a Ucrânia, o presidente russo, Vladimir Putin, denunciou que a nação vizinha estava caindo em um jogo perigoso destinado a transformá-la em uma barreira entre a Europa e a Rússia, em um trampolim contra Moscou.

Putin não se referia apenas à dimensão de segurança e geopolítica, mas sobretudo aos laços históricos, culturais e religiosos entre a Rússia e a Ucrânia, e sobre os quais escreveu extensivamente.

O presidente russo relembrou, entre outras coisas, o antigo povo rus, considerado o ancestral comum de russos, bielorrussos e ucranianos, e destacou os muitos marcos da história comum para defender sua visão de que russos e ucranianos são “um só povo”.

Gerard Toal, professor de relações internacionais da Universidade Virginia Tech (EUA), destaca que vários elementos que misturam história, cultura e identidade estão envolvidos nessa ideia.

“A Rússia não vê a Ucrânia como apenas mais um país. A visão dominante do nacionalismo russo é que a Ucrânia é uma nação eslava irmã e, além disso, o coração da nação russa. Essa é uma ideologia muito poderosa, que faz da Ucrânia um elemento central da identidade russa”, diz ele.

“Portanto, há sentimentos muito fortes quando a Ucrânia como nação se define em oposição à Rússia. Isso causa muita raiva e frustração na Rússia, que se sente traída por um irmão. E isso tem a ver com a incapacidade da visão dominante entre os russos de reconhecer a identidade nacional ucraniana como algo separado da Rússia”, acrescenta.

George Friedman, da Geopolitical Futures, ressalta a importância que a Ucrânia poderia ter para a Rússia do ponto de vista cultural ou histórico, mas defende que a real preocupação de Moscou é geopolítica.

“Sim, os dois países compartilham uma história comum. Historicamente, a Ucrânia foi dominada e oprimida pelos russos. Durante o período soviético, eles sofreram uma grande fome, em que milhões de pessoas morreram, porque a Rússia queria exportar os grãos que produziam. A grande unidade entre o povo russo e ucraniano é um absurdo”, argumenta ele.

Legado de Putin
Há mais de duas décadas no poder, Putin se mostra mobilizado por revisionismos históricos que remontam não só ao fim da União Soviética, mas à queda do Império Russo e até mesmo à sua formação (séculos atrás), ressentimentos em relação aos Estados Unidos e potências europeias e preocupações com como seu período à frente do governo russo entrará para a história.

“Às vésperas de completar 70 anos, Putin está certamente preocupado com seu legado, e um dos ‘assuntos inacabados’ de sua gestão é justamente a relação com a Ucrânia”, afirmou à BBC News Brasil Brian Taylor, professor de Ciência Política da Syracuse University e autor de The Code of Putinism (O Código do Putinismo, em tradução livre).

presidente Putin
presidente Putin

Ao chegar ao poder, em 1999, Putin se mostrou bem mais do que um burocrata da KGB e passou a operar desde então uma das máquinas de guerra mais poderosas do mundo — atualizada para se tornar também a maior especialista em cibersegurança global — e a sustentar a economia russa em níveis de crescimento constantes e robustos, comparáveis aos da China, embora pouco diversificada e dependente basicamente das indústrias de petróleo e mineração.

Com isso, reconstruiu a autoestima russa, o que em parte explica sua popularidade, que ele parece querer colocar à prova com suas recentes ações.

Em entrevista à BBC News Mundo em dezembro passado, Kadri Liik, analista-chefe do Conselho Europeu de Relações Exteriores especializado na Rússia, disse que, em sua opinião, a questão da Ucrânia é aquela em que as próprias emoções de Putin entram em jogo, então, às vezes, suas posições podem não parecer muito racionais.

Toal, da Universidade Virginia Tech, apontou à BBC News Mundo haver um argumento segundo o qual Putin foi pessoalmente humilhado pelo que aconteceu com a Ucrânia durante seu mandato, quando seus esforços recorrentes para instalar líderes pró-russos em Kiev não renderam os frutos esperados. “O argumento geral é que ele está lutando com esse problema há algum tempo, sente que é um negócio inacabado que faz parte de seu legado e precisa ser corrigido de uma vez por todas.”

*Com informações complementares dos repórteres Mariana Sanches (BBC News Brasil), Ángel Bermúdez (BBC News Mundo) e Paul Kirby (BBC News)

 

 

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